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Chapéu, autonomia e religião: como mulheres negras usaram o acessório após a abolição?

Após o sucesso da pesquisa sobre A Moda Vitoriana na Era Lemonade, estou voltando hoje com uma pesquisa mais detalhadas sobre o uso do chapéu na comunidade preta e cristã nos Estados Unidos. Muitos seguidores pediram por esse conteúdo, então aqui está a história desse acessório cheio de simbolismo e empoderamento!


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Photos at Greater Missionary Baptist Church by Cyrus Tetteh/City of Detroit

A história do chapéu é quase tão longa quanto a história da humanidade, então para manter o foco limitei minha pesquisa a partir da abolição da escravatura nos EUA, que aconteceu em 1863. Antes disso, as mulheres negras escravizadas não possuíam poder de compra nem autonomia para escolher o que vestir, além dos casos em que escravagistas lhes raspavam a cabeça, a fim de exercer dominação e destruir o senso de identidade que o cabelo tem o poder de trazer. Portanto, foi após a libertação e o trabalho em troca de um salário que pessoas negras puderam começar a pensar e escolher sobre o que iriam vestir.


A moda durante o período indica muito do que vai ser usado pelas mulheres recém libertas e com tanta vontade de se expressar. O Google me mostrou as imagens abaixo sobre o estilo que estava em alta na época:



Além dos elementos vitorianos que já foram abordados no texto anterior, podemos identificar a forte presença do chapéu. Dentre os itens de vestimenta, o chapéu poderia facilmente ser identificado como o menos necessário, portanto, o maior indicador de fartura. Lembre-se que estamos falando de um chapéu que enfeitava e não necessariamente protegia. E quando temos um acessório focado muito mais no seu design do que em sua necessidade, temos um item de luxo.


Por conta disso, o chapéu seria justamente o objeto de desejo de várias trabalhadoras negras. Muitas economizavam até poder comprar o seu primeiro chapéu, outras usavam a criatividade e fabricavam o seu próprio a partir de sobras de tecido e peças de roupa usadas. Não importa exatamente como você adquiria o seu, ter um chapéu acrescentava ao status de poder.



Por ser um item de tão difícil acesso, era separado para ser usado com a melhor peça de roupa, no dia mais importante da semana: o domingo.


Sendo o dia de descanso do trabalhador, o domingo também se tornou o dia de ir à igreja. A religião majoritária dos EUA é o cristianismo protestante, que também tem muitos de seus adeptos nas comunidades negras. Várias igrejas são fundadas e frequentadas majoritariamente por fiés negros.


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As mulheres cristãs tinham ainda mais um incentivo para utilizar o seu chapéu para ir à igreja, o versículo de I Coríntios 11:5 que fala sobre a necessidade da mulher cobrir sua cabeça enquanto ora ou profetiza (lembrando que nem toda igreja protestante segue esse versículo à risca). Logo, assim como várias outras religiões, o cristianismo tem em sua escritura sagrada uma referência à cabeça coberta.


Isso se dá em diferentes crenças porque a cabeça é comumente associada à uma coroa, ao que há de mais próximo aos céus - e, portanto, ao divino - além de ser a parte do corpo mais alta. Tranças, turbantes, black power e o próprio chapéu, fazem referência não apenas a uma reverência a deus, como também à coroação de uma comunidade dizimada pelos séculos de escravidão e racismo.



Enquanto os anos passavam, o design dos chapéus mudava e adquiria novas solicitações por parte das clientes. O domingo passou a ser um dia de desfiles de chapéus, com suas donas orgulhosas caminhando de cabeça erguida até sua congregação.


Obedecendo à dinâmica da moda, o chapéu se adapta à realidade, mudando de acordo com as necessidades de estilo, proteção ou com o objetivo de chamar a atenção mesmo, por que não? Afinal, o acessório se tornou símbolo entre mulheres que passaram anos sendo escondidas e negligenciadas. Chapéus coloridos e orgulhosos eram quase como um troféu, uma coroa na cabeça de mulheres que trabalhavam exaustivamente de segunda à sábado, e que no domingo tinham tempo livre para mostrar sua criatividade, ancestralidade e fé. O chapéu virou, oficialmente, um elemento cultural entre mulheres pretas e cristãs.




Segundo Helen K. Thoma, diretora de marketing e comunicação do museu Northwest African American, o chapéu é uma "expressão da cultura negra que abarca a auto expressão, dignidade, identidade, tradição e respeito" além de ser um "triunfo sobre a pobreza". As peças, de alto valor e muitas vezes exclusivas, viravamm parte de coleções orgulhosas, para depois serem passadas como herança de mãe pra filha, reforçando ainda mais o sentimento ancestral do acessório.


Tudo isso deve ser levado em conta quando avaliamos a decisão de uma artista como a Beyoncé em adicionar esse elemento durante uma era que ficou famosa por seu discurso racial e político. A cantora fez uso do chapéu desde o primeiro lançamento da era, no clipe de Formation, levou para os palcos e continuou usando em tapetes vermelhos. Toda essa contextualização explica como ela passou a mensagem de poder e ancestralidade para mulheres negras de todo o mundo



Atualmente, o uso do chapéu diminuiu, principalmente porque o foco da moda não é mais ser elegante, e sim, ser moderno e ter identidade. Apesar disso, após Beyoncé aparecer tantas vezes com o acessório em evidência, outras pretas famosas apareceram com seus modelos, e muitas grifes também lançaram suas versões em desfiles.



Isso pode sim estar influenciando um retorno tímido do uso do chapéu por mulheres mais jovens, como vemos abaixo (para conferir mais imagens e inspirações de chapéus, acesse minha pasta do Pinterest!)




E você, o que acha do uso do chapéu no dia a dia? Prefere manter para dias ensolarados na praia? Conta pra mim como você faz uso desse elemento com tanta história e me diz o que achou do post.


Você também pode conferir esse conteúdo em formato de vídeo! (Deu muito trabalho pra editar então por favor deixa um like, não custa nada ♥)



Obrigada por me acompanhar até aqui! Te vejo na próxima ♥


Links extras utilizados na pesquisa:

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