Máscaras: do leste asiático para o mundo
- Luna Fortunato
- 6 de jun. de 2020
- 4 min de leitura
Do norte ao sul, as máscaras estão cada vez mais onipresentes. Confeccionadas, geralmente, em tricoline ou algodão, as máscaras caseiras ganharam o país nas últimas semanas depois que o Ministério da Saúde reviu a postura anterior e recomendou à população de que o uso se tornasse constante. Atualmente, supermercados e farmácias já não permitem a entrada de clientes que não estejam usando máscaras, motoristas de táxi e de aplicativo como Uber e 99 usam elas o tempo todo e, no momento, está em trâmite no Senado um projeto para que o uso das máscaras se torne obrigatório em todo o país. Em menos de dois meses, um objeto que nunca fez parte do vestuário brasileiro entrou no nosso cotidiano e não deve sair tão cedo. Mas existem alguns lugares onde as máscaras já estavam incorporadas há anos ao vestuário: Japão, Coréia do Sul, Hong Kong, por exemplo. Por quê? O que tem de diferente entre eles e nós?

A resposta é mais simples do que parece: hábito advindo de eventos históricos. A influenza de 1918, com um saldo de mortos estimado entre 17 a 50 milhões, deixou rastros avassaladores em todo canto do planeta, e o continente asiático não foi exceção. A Índia, por exemplo, assistiu 12 a 17 milhões da população morrer, o que correspondia a 5%. Japão, por sua vez, lidou com uma quantidade menor de infectados e mortos, mas ainda assim terrível: 360 mil mortos, 23 milhões de infectados. Diante desse cenário, não é surpreendente que diversos povos tenham começado a aderir ao uso de qualquer coisa que “tampasse” as vias nasais — echarpes, cachecóis, pedaços de roupa — por mais ineficiente que isso fosse.
Em 1923, ocorreu uma nova tragédia: o grande terremoto de Kanto (関東大震災) consumiu mais de cem mil vidas em poucos dias, e fez com que o céu se tornasse pesado de tantas as cinzas e fumaça. Para complicar a situação, várias tempestades de fogo foram observadas, algumas delas chegando a durar dois dias. Dessa forma, os sobreviventes — seja japoneses, seja coreanos (que, convém lembrar, eram um povo colonizado pelo Japão naquela altura) — começaram a investir pesado em máscaras para se protegerem das cinzas. E como se não bastasse, outra epidemia de gripe veio em 1934 e foi batido o martelo: os japoneses e as máscaras cirúrgicas eram agora um caso de necessidade. A essa época, era comum que se usasse, porém, somente nas estações frias para evitar transmissão de resfriado.
Porém, com o advento da industrialização e, consequentemente, da poluição atmosférica, que ocorre não apenas no Japão, mas em todo o extremo leste asiático, a atmosfera se torna irrespirável e as máscaras se incorporam de vez ao vestuário pelo ano todo. China, Hong Kong, Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Filipinas: são apenas alguns exemplos de países onde seus habitantes têm, por hábito, usarem as máscaras ao saírem na rua e não tiveram a menor dúvida de continuarem a fazer, diante da atual pandemia de 2020.
É importante salientar que usar as máscaras na Ásia — não apenas no Japão ou na Coréia — é tido como um ato de civilidade e cortesia. Em caso de resfriado ou suspeita de, por menor que seja, é considerado educado usar uma máscara ao sair na rua e evitar passar o vírus às pessoas ao seu redor. Muito diferente dos países ocidentais, cujos ministros da saúde passaram semanas protelando sobre a eficiência ou não da máscara até finalmente recomendarem as de pano e têm que lidar com estadunidenses vendo na máscara um símbolo de prisão. Além do mais, as máscaras servem como formas de esconder o rosto. Os anônimos as usam para esconder manchas, espinhas e machucados nos lábios. Os famosos as utilizam para não serem reconhecidos pelo público em geral. Os protestantes políticos para que a polícia não os reconheça.
As máscaras são vendidas em camelôs nos mais diversos formatos e cores e a estética foi incorporada à vários estilos diferentes de subculturas asiáticas. Antes dos idols sul-coreanos, é importante apontar que o j-rock, que teve uma fase relativamente popular no Brasil, já trazia em seu repertório artistas que usavam máscaras como parte do intrincado visual, repleto de tachas, correntes e decorações a mais. O item se incorporou especialmente à uma estética hospitalar e sombria, uma variação comum em algumas subculturas góticas, lolita e visual kei.
Hoje em dia, os maiores expoentes das máscaras cirúrgicas não são mais os artistas japoneses, mas os idols sul-coreanos que são fotografados para cima e para baixo em aeroportos, com suas máscaras, geralmente mais lisas e comportadas em comparação aos japoneses, cobrindo metade do rosto. Eles são membros de grupos famosos e têm uma multidão de fãs pelo globo inteiro atrás deles, anotando todas as tendências possíveis. É interessante, inclusive, notar que lojas como Amazon e Etsy vendem máscaras cirúrgicas com estampas e logotipos relacionados aos grupos. Desses, o exemplo mais nítido é o BTS cujos fãs fazem e revendem não apenas máscaras com o logotipo do grupo, mas também com desenhos característicos de animais e desenhos tidos como “fofos”. Certa vez, Taehyun do BTS usou uma máscara com o desenho de um ursinho. Não tardou muito para que as fãs começassem a desejar ter o mesmo item e agora a mesma máscara é vendida, tendo ele de exemplo, para o público interessado. Em um link do Ebay, por exemplo, 998 máscaras já tinham sido vendidas até o momento da apuração, por apenas US$ 2,99.
Dessa forma, as máscaras, já incorporadas ao cotidiano asiático e não sendo uma novidade para ninguém lá, tornam-se um item de moda por aqui e seus maiores expoentes, sem que eles se dêem conta, são idols do k-pop. E assim, a Coréia do Sul assiste os países ocidentais seguirem as suas tendências — dessa vez, em nome da saúde — com alguns anos de atraso.
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