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Direitos civis nos EUA, heranças milionárias e o set da Miu Miu

Na semana passada o twitter explodiu com análises de moda após ir ao ar uma foto da Maísa no programa Altas Horas: usando o set da Miu Miu - que é composto por uma mini saia de 20 cm de comprimento e um suéter cropped por cima de uma camisa social - Maisa foi criticada por uns, aclamada por outros. Só não teve mesmo quem passasse indiferente pelo look da atriz. E o famoso set vem causando essa comoção desde seu lançamento, na Coleção Primavera Verão 2022. Hoje vamos falar sobre o que está por trás do sucesso de um look tão ousado e difícil de agradar e que mesmo assim virou febre nas redes e na vida real.


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Old Money

Precisamos começar essa conversa explicando o termo old money, que, literalmente, significa dinheiro velho. Esse estilo de vida - e de se vestir - está entre as principais tendências do momento, mas não é inédito. O termo em si faz referência a heranças antigas passadas de gerações em gerações, aquele tipo de gente que pessoas comuns como eu e você nem conhecemos, pois são considerados a elite da elite, vive numa bolha social com muitos empregados, inclusive se achando superior aos "novos ricos" - pessoas que ganharam dinheiro recentemente, os self made. Essa burguesia antiga é cheia de suas manias, e entre elas a forma como se veste chega a ser peculiar. Como acreditam que dinheiro de família é superior ao dinheiro trabalhado, essa aparência de roupas que foram herdadas são vistas nos closets bem planejados da nata da sociedade. Não se iluda: as peças de roupas são novas e caríssimas - grifes como Ralph Lauren e Yves Saint Laurent exemplificam bem o que estamos falando - mas para um clubinho que é focado em longevidade e avesso às mudanças, a moda - no sentido de tendências, cores e estampas datadas - acaba não tendo espaço. Os verdadeiros conservadores do old money usam peças consideradas clássicas, atemporais, em cores neutras. A gente quase não consegue distinguir fotos dessas famílias do século passado quando colocadas ao lado de fotos mais atuais. Uma das razões seria justamente evitar chamar atenção: old money de verdade sabe que ostentar acaba trazendo mais problemas do que benefícios - como, por exemplo, uma revolta da classe trabalhadora rs.



Lá pelos anos de 1910 essa forma de ver o mundo despontou na moda: o jeito de se vestir da classe dominante resultou em uma tendência conhecida como preppy style . Esse termo vem do nome das escolas preparatórias que recebiam os herdeiros das maiores fortunas do mundo. Yale, Princeton e Harvard faziam parte da Sociedade WASP (uma sigla pra "grandeza" de pessoas brancas e protestantes na America). Como eram locais construídos por e para essa elite, o uniforme adotado pelas escolas seguia essa mesma lógica das roupas já escolhidas pelas famílias de herdeiros. O preppy style é o resultado da influência dos uniformes usados nessas escolas de elite: camisa polo, saias, mocassins, alfaiataria e afins... assistir 1 episódio de "Elite" já ajuda a entender o cenário.



O grande problema por trás de toda essa expressão de moda é que sua origem está justamente em tradicionais famílias ricas e brancas, aquelas mesmas que se beneficiaram diretamente da escravidão. Sua raiz, atrelada ao elitismo e a ideologias de supremacia branca, fez com que o preppy style estivesse por bastante tempo associado ao que existia de mais conservador na época. Apesar disso, alguns anos mais tarde, a juventude preta das décadas de 50 e 60, que estava pronta para lutar pela garantia de seus direitos, se apropriou e ressignificou elementos desse estilo de se vestir, desafiando o status quo e comunicando, através da moda, que os símbolos associados até então a uma elite branca e escravocrata não seriam limitados a esta. Logo a comunidade afro estadunidense aderiu e adicionou sua própria personalidade na forma de usar o preppy.


Se apropriar de elementos da classe dominante não é algo raro, como já vimos nesse post sobre o uso do chapéu na comunidade cristã afro-americana. É importante para grupos marginalizados colocarem sua própria identidade em códigos de comunicação. Com a moda não seria diferente. Os ternos e gravatas que podemos ver nas fotos antigas de nossos avós são também uma consequência de luta. Mas como o antigo preppy voltou às passarelas com um novo nome e milhões de vídeos no Tik Tok?


Sinais de retorno:

Observando minhas últimas pesquisas de tendências ficou bem explícito que o estilo estava retomando, lentamente, há algumas temporadas. Saias curtas e plissadas já eram vistas por aí, com destaque pro modelo branco da Nike, que foi febre entre as principais influencers de moda. A camisa social branca também esteve presente desde sua recente retomada fazendo dupla com coletes oversized que, de preferência, aparentam ser tricotados à mão. Já a tiara é um acessório que apareceu tanto que se encontra quase saturado. Usada com bastante volume, detalhes em pedraria, em veludo e como a criatividade permitir. Quando esses elementos vão aparecendo lentamente, mas em sequência, tornam a chegada da macro-tendência old money levemente mais suave.



Também podemos ver o uso de uniformes escolares e seus elementos em várias séries que estão em alta: O reboot de Gossip Girl, Sangue e Água, Elite, Rebeldes. Séries como The Gilded Age e The Crown, apesar de não terem o figurino uniformizado, mostram o guarda roupa de famílias tradicionais - leia-se: podre de ricas - que deram o pontapé lá na origem do estilo.



Quando a Miu Miu coloca em sua passarela mini saias com cinto, camisa social e suéter, é apenas consequência de um movimento que já estava rondando os insiders do mundo fashion. A diferença é que sempre que uma moda retoma aos holofotes, ela vem adaptada à nova realidade, e nesse caso a grife abusou da cintura baixa e fez tanto sucesso que a fórmula foi repetida, quase que idêntica, na coleção imediatamente posterior - a última, de Outono Inverno 2022. Outras marcas também vem aderindo a elementos do old money, como a Ralph Lauren que chegou a fazer uma coleção homenageando as Universidade Históricamente Pretas dos EUA, as HBCU.



Motivos para o old money voltar tão forte:

A volta do uniforme-de-colégios-de-elite aparece agora como parte do ciclo natural da moda, aquele que ressuscita elementos considerados vintage a cada período de tempo. É comum que simpatizantes das tendências retomadas tenham vivido seu auge durante a adolescência e usem a estética de "suas épocas" de forma nostálgica. O que também observamos no estilo old money é que ele surge como contra tendência de alguns estilos que apareceram e saturaram muito rápido após a pandemia: a logomania com seu maximalismo, o Y2K com suas cores, texturas e cinturas baixas, o - mais recente - dopamine dressing com sua mistura de cores fortes. O tradicionalismo e minimalismo aparecem como um contraponto que muitos consideram necessário no meio de tanta informação.

Outra questão importante que vem sendo apontada nessa estética é a sustentabilidade. Por serem peças atemporais e clássicas, permitem o seu uso por longos períodos de tempo, ao contrário das tendências datadas que duram algumas poucas temporadas. Quando a peça é de um material de qualidade a estimativa de uso vai ainda mais longe, então essa é uma boa aposta pra quem pretende fazer compras conscientes.



Seja porque gostam de seguir tendência ou porque naturalmente têm um estilo mais clássico, o fato é que as pessoas têm aderido cada vez mais a esse modo de se vestir. E durante minha pesquisa encontrei muitas referências de jovens pretes usando o estilo, quase como uma prova de que as ações do passado seguem firmes desenrolando inclusão e posicionamento. Mas eu quero saber de você: arriscaria o estilo? E o set da Miu Miu? Me conta o que achou nos comentários!

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